Neonatologia
Primeiro: os rituais. Um pai é dotado de um papel de autorização por um prazo de um mês, que lhe dá alguma liberdade para circular nos corredores do hospital. Controlo à entrada, corredor comprido, vira à direita, vira à direita, segue o corredor em forma de "U", vira à esquerda, sobe as escadas, vira à esquerda, porta ao fundo. Novo controlo, tocamos à campainha, e dizemos "é o pai do Gervásio". Porta aberta, trabalho de desinfecção: tirar relógio e anéis, desligar telemóvel, lavagem de mãos e antebraços com sabão anti-séptico, vestir um fato especial, esfregar as mãos com o "manugel" (era o nome que lhe davam, cheirava a álcool) e deixar secar. Este era um ritual que cumpríamos várias vezes ao dia, nem que saíssemos para dar um peidinho lá fora. O manugel era utilizado sempre que resolvêssemos tocar no bebé.
Os bebés só podem beber o leite tirado pelas mães no local, logo elas têm os seus rituais específicos, repetidos várias vezes ao dia: levantar os aparelhos já esterilizados, protegerem-se com o biombo, ligar a máquina e 10 minutos de um bombear doloroso em cada mama; por fim, desinfectar a mesa com álcool.
Segundo: os alarmes. Um pai estreante no departamento, depressa entra em suores. Os bebés estão ligados a uns fios que os controlam nas suas funções vitais. Os resultados estão visíveis nuns monitores por cima da incubadora, e são dados em tempo real. Quando se passa mais de 5 minutos junto de um bebé, é normal ver esses resultados variarem muito e dispararem o alarme. Então dá-se uma sequência de olhares estonteante: ecrã, bebé, serenidade das enfermeiras, ecrã, bebé, serenidade das enfermeiras, ecrã, bebé, ecrã, bebé, suores, suores, suores, coçar a cabeça, bebé, ecrã, "olhe... hmm... olhe... desculpe, podia ver o que se passa com o Gervásio?". Normalmente está tudo bem, pode ser um fio que se soltou ou é necessário estimular um pouco o bebé. Com o passar do tempo, vamo-nos habituando, mas nunca desaparece um nervoso miudinho.
Terceiro: mais uma vez, o louvável sentido materno das mulheres. Na neonatologia não existem enfermeiros, só enfermeiras. É admirável a forma como tratam os bebés e os pais. Não têm só a função de tratar e controlar os bebés, como também começar a familiarizar os pais com os filhos e com as tarefas que se adivinham. Sempre sorridentes, chamam-nos papá e mamã e estão sempre solícitas para as nossas questões. Não sei se saía tranquilo, e custa-me a imaginar a situação, se deixasse o bebé nas mãos de homens.
Quarto: as histórias. Para terminar, cada incubadora a sua história. Dois casos de mães quarentonas que lá fizeram o sacrifício de ter o segundo filho porque o primeiro insistiu muito para ter um irmão; outro caso de um bebé que apareceu de surpresa e que motivou logo uma vasectomia (ou uma laqueação das trompas, já não me lembro de quem ficou inibido). Estes 3 casais contrastaram muito com outros dois casos. Um pai com quem falei cuja filha tinha-lhe sido diagnosticado um sopro no coração, mas que tinha ânimo de sobra para me animar a mim. Por último, os dois pais mais alegres e afectuosos que vi no departamento tinham lá um bebé muito doente desde Fevereiro (tinha um problema de líquido na cabeça, não me recordo bem o que era) - que bom exemplo.
Fica aqui um registo paralelo, sem floreados, da grande experiência de ser pai.