terça-feira, julho 11, 2006

Neonatologia

Recentemente, por o período de um mês, tive a oportunidade conhecer e frequentar um departamento de neonatologia. É relevante deixar aqui algumas impressões desta experiência.

Primeiro: os rituais. Um pai é dotado de um papel de autorização por um prazo de um mês, que lhe dá alguma liberdade para circular nos corredores do hospital. Controlo à entrada, corredor comprido, vira à direita, vira à direita, segue o corredor em forma de "U", vira à esquerda, sobe as escadas, vira à esquerda, porta ao fundo. Novo controlo, tocamos à campainha, e dizemos "é o pai do Gervásio". Porta aberta, trabalho de desinfecção: tirar relógio e anéis, desligar telemóvel, lavagem de mãos e antebraços com sabão anti-séptico, vestir um fato especial, esfregar as mãos com o "manugel" (era o nome que lhe davam, cheirava a álcool) e deixar secar. Este era um ritual que cumpríamos várias vezes ao dia, nem que saíssemos para dar um peidinho lá fora. O manugel era utilizado sempre que resolvêssemos tocar no bebé.

Os bebés só podem beber o leite tirado pelas mães no local, logo elas têm os seus rituais específicos, repetidos várias vezes ao dia: levantar os aparelhos já esterilizados, protegerem-se com o biombo, ligar a máquina e 10 minutos de um bombear doloroso em cada mama; por fim, desinfectar a mesa com álcool.

Segundo: os alarmes. Um pai estreante no departamento, depressa entra em suores. Os bebés estão ligados a uns fios que os controlam nas suas funções vitais. Os resultados estão visíveis nuns monitores por cima da incubadora, e são dados em tempo real. Quando se passa mais de 5 minutos junto de um bebé, é normal ver esses resultados variarem muito e dispararem o alarme. Então dá-se uma sequência de olhares estonteante: ecrã, bebé, serenidade das enfermeiras, ecrã, bebé, serenidade das enfermeiras, ecrã, bebé, ecrã, bebé, suores, suores, suores, coçar a cabeça, bebé, ecrã, "olhe... hmm... olhe... desculpe, podia ver o que se passa com o Gervásio?". Normalmente está tudo bem, pode ser um fio que se soltou ou é necessário estimular um pouco o bebé. Com o passar do tempo, vamo-nos habituando, mas nunca desaparece um nervoso miudinho.

Terceiro: mais uma vez, o louvável sentido materno das mulheres. Na neonatologia não existem enfermeiros, só enfermeiras. É admirável a forma como tratam os bebés e os pais. Não têm só a função de tratar e controlar os bebés, como também começar a familiarizar os pais com os filhos e com as tarefas que se adivinham. Sempre sorridentes, chamam-nos papá e mamã e estão sempre solícitas para as nossas questões. Não sei se saía tranquilo, e custa-me a imaginar a situação, se deixasse o bebé nas mãos de homens.

Quarto: as histórias. Para terminar, cada incubadora a sua história. Dois casos de mães quarentonas que lá fizeram o sacrifício de ter o segundo filho porque o primeiro insistiu muito para ter um irmão; outro caso de um bebé que apareceu de surpresa e que motivou logo uma vasectomia (ou uma laqueação das trompas, já não me lembro de quem ficou inibido). Estes 3 casais contrastaram muito com outros dois casos. Um pai com quem falei cuja filha tinha-lhe sido diagnosticado um sopro no coração, mas que tinha ânimo de sobra para me animar a mim. Por último, os dois pais mais alegres e afectuosos que vi no departamento tinham lá um bebé muito doente desde Fevereiro (tinha um problema de líquido na cabeça, não me recordo bem o que era) - que bom exemplo.

Fica aqui um registo paralelo, sem floreados, da grande experiência de ser pai.

quinta-feira, maio 18, 2006

Um Post Pouco Edificante

Há um ano e um mês que saí de casa da minha mãe. Durante 24 anos, tive todas as regalias e mimos próprios de um filho e, especialmente, de um filho e neto único. Resultado: completa inaptidão para as tarefas domésticas. Descascar fruta, lavar a loiça, cozinhar, passar a ferro, hábitos de limpeza regular das divisões, lavar roupa, compras: zero! Não faltaram solicitações de ajuda por parte da família, mas sem correspondência da minha parte. Fica o registo, para minha justa vergonha.

De repente, com o casamento, vi-me a tirar uma licenciatura nas lides domésticas. E desde que a Isabel ficou no Porto entrei em exames. Mas acho que vou chumbar. Tudo o que consigo é evitar o caos interno e manter a aparência externa de que tudo está bem. Basicamente só me ocupo das cadeiras "Passar a Ferro", "Lavar a Loiça" e "Introdução à Cozinha". A cadeira "Lavar a Roupa" está a ser feita num trabalho de grupo onde está a Isabel, a minha sogra e a minha mãe; eu só vou pôr o nome, mas é onde espero ter melhor nota (bem até faço alguma coisa: sou eu que levo a roupa para o Porto ou para a Costa e que a trago de volta). Quanto às outras três:

"Passar a Ferro": já domino a técnica, mas não o tempo nem a ocasião. Hoje de manhã demorei 15 minutos a passar uma camisa. Vestia-a, fui-me ver ao espelho... rebentou-me uma p**%#%# de uma borbulha!! Fui passar outra camisa a ferro. Esta demorou mais de meia hora! Depois, não sei se as devo passar de noite ou de manhã. De noite demoro mais tempo, porque não tenho o sentido de urgência que tenho de manhã. Mas de manhã, custa-me manter os olhos abertos para ver os vincos. 12 Valores

"Lavar a Loiça": aquelas cadeiras que só se estudam na véspera. Deixo acumular a loiça (não é por desleixo, mas por algum outro fenómeno que desconheço) e lavo-a quando me sinto incapaz de entrar na cozinha sem sentir uma náusea. 7 Valores

"Introdução à Cozinha": cadeira muito fácil, daquelas que ninguém chumba. É só aquecer algumas coisas no micro-ondas e confeccionar pratos muito simples. Contudo, estou muito fraco na matéria de "Noções elementares de Higiene". Apesar disso fiz uma boa limpeza ao frigorífico e comecei a descascar fruta, o que mereceu uma bonificação de dois valores. 13 valores

Para guardar uma chispa dignidade não vou referir as cadeiras às quais não dedico tempo algum. Como se costuma dizer nas licenciaturas, o primeiro e o segundo anos são os que custam mais. Um agradecimento às mulheres pela solicitude materna com que tratam do mundo.

domingo, maio 14, 2006

O Drama dos Taumaturgos

Transcrevo um excerto de um livro que acabo de ler. O autor fala neste ponto de naturalidade e discrição.

«Muitos desejariam do fundo do coração que hoje se produzisse algum facto extraordinário, contundente, que pusesse termo à perversão, à incredulidade, à má-fé, ao Mal. E se se produzisse, talvez as consequências não fossem muito diferentes das presenciadas pelo padre Malaquias (no romance de Bruce Marshall) depois de ter transferido milagrosamente um salão de bailes situado em frente de um templo católico para um penhasco solitário nas águas da Escócia; exceptuada a impressão do momento, sensacional e jornalística, tudo continuou na mesma, os bons continuaram a portar-se bem, e os maus obstinaram-se mais no mal; o único que lucrou foi o proprietário do cabaré, pela fabulosa e gratuita propaganda que fizeram os jornais e os documentários. É que a natureza do homem - recorda Charles Moeller - "é de tal ordem que, se não estiver moralmente disposta a procurar Deus, nem o mais sensacional dos milagres a converterá". O Filho de Deus fez muitos milagres à luz do dia; mas nem por isso os Judeus se converteram. Perante a ressurreição de Lázaro - já cheirava mal no sepulcro - a conclusão que os Judeus tiram é que é necessário acabar com Jesus (Jo., II, 7 e ss.). »

A Virgem Nossa Senhora, Frederico Suarez

domingo, abril 23, 2006

Domingo no Mundo e a Grandeza dos Lugares Comuns

Fazemos um ano de casamento. É Domingo. Os guerreiros merecem um prémio adequado à sua grandeza: uma francesinha no Eusébio, bolo no Café Concerto e o mar de Vila do Conde. Um programa curtinho e suave por causa da fragilidade da mamã e dos cuidados do papá, mas um grande programa.

Vila do Conde é um dos nossos lugares comuns. Que confissões não terão ouvido a areia grossa e o mar batido desta cidade e que histórias e ambições não teram presenciado os dois cafés. Lá estamos como que entre amigos, confiamos naquelas pedras, naqueles bancos, naquelas árvores, naquelas vistas que nos acolheram e acolhem e aos quais retribuímos com um Sim que enche as medidas de tudo o que nos rodeia.

Para quê tanto movimento? O que procura toda a gente, de um modo tão insaciável? O domingo é em todo o mundo. A praia estava suja e um vento desagradável obrigou-nos a ir para o carro mais cedo. Mas voltámos felizes.

quarta-feira, março 01, 2006

Areias Movediças

Quando casei assumi (ou melhor, assumimos) uma postura, não sei se retrógrada, utra-romântica ou sensata: a de não ter televisão. Tenho porém, um espinho, que me estraga os planos: o futebol. Este fim de semana não resisti e trouxe, de casa da minha mãe, a minha televisão de infância. Para além de futebol, a televisão dá um não-sei-quê de calor à casa e permite-nos ter as notícias e os grandes debates sempre à mão.

Em geral, nos moldes actuais, considero a programação televisiva um lixo: concursos arbitrários, telejornais sensionalistas, ausência de horários, culto da violência e da perversidade, novelas construídas ao sabor das audiências, sufoco de publicidade, desconhecimento das fontes das reportagens ou dos documentários, excesso de informação e de alternativas.

Aliás, considero a maior parte daquilo que se produz como entretenimento um lixo. Só a ideia de sermos entretidos por alguma coisa me assusta. Assusta-me mais saber que esse mesmo entretenimento fala vezes sem conta de liberdade. Tenho formação em Gestão e tive cadeiras como psicossociologia e marketing. Sei como estas matérias estão desenvolvidas e sistematizadas para "prender" as pessoas. Basta não parar, não pensar, insistir, aplicar as regras. Muitas dessas técnicas foram e são usadas por regimes ditatoriais. A melhor propaganda do Hitler foi o "entretenimento", genialmente coordenada pelo seu ministro da propaganda, Joseph Goebbels.

Agora vou desdramatizar: nós somos dotados de inteligência e vontade, e podemos sempre optar. Mais: há uma diferença entre aquilo que se produz e aquilo que são os instrumentos em si. A televisão, a música, a internet, o cinema são uma extensão do admirável poder criador do homem. A psicossociologia e o marketing são úteis a qualquer gestor sério e de boa vontade.

O "entreter" parece-me uma manobra de afastar a realidade. O "entretenimento" avança disfarçado de cultura ou de divertimento. O "entretenimento" está ao serviço daqueles que lhes convém a alienação de alguns. Na minha opinião, não precisamos de entretenimento mas de descansar. Falarei mais tarde sobre descanso.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

O Caminho da Igreja

Uma imagem para definir a Igreja é a de "Esposa de Cristo". Não há outro propósito na Igreja que não seja a fidelidade ao Esposo, a unidade com o Esposo a fecundidade com o Esposo. Todos os propósitos que se desviam desta perspectiva correm o risco de se tornarem meros propósitos de homens, e como tal falíveis.

Que garantias existem de que é real esta permanência de Cristo na Igreja Católica? Quero hoje destacar uma: a imutabilidade da mensagem que a Igreja transmite do século I ao século XXI, e que tantos corações tem abrasado, que tantas ânsias tem preenchido, que tantos intelectos tem estimulado. É a mensagem de amor aos pobres e aos doentes, da misericórdia para com aqueles que erraram, da igualdade de todos perante Deus, da prática das virtudes, do amor incondicional ao outro.

Pelo meio existem episódios confusos: as guerras, os escândalos sexuais, o abuso do poder, a inquisição, a conduta individual de alguns... mas eis que se ergue, limpa a poeira e torna a repetir a mesma mensagem com forte propósito melhorar. A Igreja não pode ser aquilo que não é. E ergue-se sempre e volta a repetir o mesmo, porque ama os seus filhos. E as boas obras nascem e são tantas que fazem dos escândalos um pequeno defeito numa grande tapeçaria. Um defeito que não se vê, mas onde tantos gostam de colocar uma lupa ou um holofote.

Pela permanência da mensagem nas dificuldades e na história, a Igreja é sinal da eficácia de Cristo e é um exemplo de verdadeiro caminho de humanidade.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Ainda o Euromilhões